Presidente da CET admite subnotificação de acidentes

Dados contemplam menos ocorrências do que as atendidas por agentes da companhia. Aumento das velocidades nas marginais foi contestado por especialistas em audiência pública na Câmara Municipal

Por Rodrigo Gomes, da RBA

O presidente da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), João Octaviano Machado Neto, admitiu nesta segunda-feira (19) que os dados consolidados de acidentes de trânsito apresentados pela gestão do prefeito da capital paulista, João Doria (PSDB), contemplam menos ocorrências do que as efetivamente atendidas pelos agentes da companhia, após o aumento das velocidades nas Marginais Pinheiros e Tietê. Isso ocorre porque os números consolidados se baseiam nos boletins de ocorrência registrados pela Polícia Civil, que por sua vez dependem da ação de alguém que vá a uma delegacia fazê-lo.

"A pessoa que está ali em um acidente, que para nós foi um acidente com vítima, pode recusar o atendimento (médico). Ou era um passageiro e o condutor a levou a um hospital privado ou mesmo um condutor com uma motocicleta que caiu no chão, ao ver que vai chamar a polícia ou o corpo de bombeiros para fazer o resgate, vai ter de apresentar um documento. E nem sempre o documento está em condições de ser apresentado. A pessoa levanta e se evade. Para nós, esse acidente está lá registrado, só que ele não produziu um boletim de ocorrência", explicou Octaviano, em audiência pública na Câmara Municipal paulistana.

O presidente da CET foi confrontado com dados apresentados pela própria companhia, em meses anteriores à divulgação dos dados consolidados. Entre 25 de janeiro e 23 de fevereiro, a companhia registrou 102 acidentes com vítimas. Já entre 24 de fevereiro e 26 de março, foram 117 ocorrências. Um total de 219 ocorrências apenas nos dois primeiros meses com o aumento das velocidades. Porém, o consolidado da CET, divulgado no início de junho, indica 135 acidentes em quatro meses, de 1° de janeiro a 30 de abril.

Além disso, no dia 31 de maio deste ano, Octaviano participou de uma palestra no Instituto de Engenharia, onde apresentou dados do primeiro quadrimestre deste ano. Na tabela utilizada por ele estavam indicados 355 acidentes com vítimas e 11 atropelamentos. O número é mais que o triplo do registrado no consolidado. "Esses dados vão ser usados por nós no planejamento operacional, na contagem de acidentes, no entendimento da dinâmica dos acidentes", afirmou, tentando justificar a diferença nos números. Ele disse ainda que a CET vai avaliar definitivamente a medida após um ano de implementação. Segundo Otaviano, o aumento da velocidade será mantido até lá.

"Não é preciso esperar um ano para reavaliar. Os dados estão aí. Não precisa esperar que mais pessoas se machuquem ou morram", afirmou Rafael Calábria, especialista em mobilidade urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Para ele, o presidente da CET não justificou o aumento da velocidade e os dados apresentados contradizem totalmente o que a companhia vinha falando antes. "Quando tinha muita multa o problema era o sistema, a tal 'indústria da multa'. Agora que tem muito acidente a culpa é da imprudência dos motoristas?", questionou.

"Isso é engenharia de tráfego, não é brincadeira de criança"

Os seis especialistas em mobilidade e engenharia de tráfego presentes na audiência se manifestaram contra o aumento das velocidades nas Marginais Pinheiros e Tietê. A medida foi implementada em 25 de janeiro pelo prefeito João Doria (PSDB), elevando a velocidade máxima de 50km/h para 60km/h na pista local, de 60km/h para 70km/h na pista central, e de 70km/h para 90km/h na expressa. "As cidade ao redor do mundo que baixaram a velocidade estão erradas, a Organização Mundial da Saúde está errada e nós, técnicos, estamos errados. Só a gestão está certa?", questionou Calábria.

Os especialistas apontaram vários problemas em se considerar as Marginais como vias de trânsito rápido. Um deles é o fato de que a pista local se relaciona com os bairros, estabelecimentos comerciais e ruas de trânsito local, e o seu traçado favorece o desenvolvimento de alta velocidade, devendo ser repensado. Outro ponto levantado é que a via expressa é muito inclinada para garantir o escoamento da água em dias de chuva, o que deixa os motoristas em situação de risco. Além disso, há um aumento exponencial do impacto de uma colisão com qualquer aumento da velocidade.

"Teria de ter acostamento na expressa, por exemplo, para velocidade de 90km/h. Isso é engenharia de tráfego, não é brincadeira de criança", ironizou o consultor em engenharia de tráfego, Horácio Figueira. Ele destacou que todas as medidas implementadas pela gestão Doria, como aumentar o número de viaturas e agentes da CET, melhorar a sinalização, colocar ambulâncias, são bem-vindas. Mas a redução de velocidade também deveria ser feita.

No evento, apenas os vereadores da base de Doria apoiaram a medida. O tucano João Jorge e o parlamentar Camilo Cristófaro (PSB) defenderam, inclusive, que a medida seja estendida a outras vias. O secretário Municipal de Mobilidade e Transporte, Sérgio Avelleda, esteve no evento, mas saiu antes do encerramento, sem falar com a imprensa.

Matéria publicada no portal da Rede Brasil Atual – RBA.

 

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