É o que apontam estudos preliminares da FGV sobre a proposta de municipalizar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), uma alternativa para o financiamento do transporte público
Em encontro promovido pela Rede Nossa São Paulo, em parceria com a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), o professor de economia e pesquisador da FGV Samuel de Abreu Pessôa apontou que a cobrança de R$ 0,50 a mais no preço da gasolina para subsidiar o transporte coletivo permitiria a redução de R$ 1,20 no preço da passagem.
Os dados apresentados nesta quarta-feira (13/8) fazem parte dos estudos preliminares da FGV sobre a proposta defendida pela Frente Nacional de Prefeitos de municipalizar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), como uma das principais alternativas para financiar o transporte público.
De acordo com o pesquisador, a redução significativa da passagem iria beneficiar 78% da população e ainda causaria outro fator positivo para a sociedade: geraria uma deflação de 0,026% no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial que mede a inflação.
Pessôa ressaltou que o estudo completo sobre a proposta deverá ser concluído em aproximadamente duas semanas.
Presente ao encontro, o prefeito de São Paulo e vice-presidente da FNP, Fernando Haddad, argumentou que o transporte coletivo tem uma especificidade: quanto pior, é mais caro. “Estamos vivendo um círculo vicioso. Ou você prioriza de uma vez por todas o transporte público ou vai enfrentar custos cada vez mais caros, sem que isso represente melhora na qualidade dos serviços”, declarou.
Quanto ao custo da passagem, o prefeito lembrou que o Brasil é um dos países que menos subsidia o transporte público.
Falando na condição de vice-presidente da Frente Nacional de Prefeito, Haddad destacou que a maioria dos municípios teria muita dificuldade para aumentar os subsídios e defendeu a proposta de municipalização da Cide. “Há uma forma correta de financiar o transporte público, que é um sistema de subsídio cruzado em que o transporte privado financie o coletivo”, considerou.
Sem condições de comparecer ao evento, ocorrido no Sesc Consolação, em São Paulo, o prefeito de Porto Alegre e presidente da FNP, José Fortunati, enviou uma carta aos participantes do debate, em que também apoia a alternativa. “É justo que as pessoas que utilizam o transporte privado ajudem a custear o transporte público”, afirma o documento, que recomenda: “É importante que esse debate ganhe as ruas”.
Para Oded Grajew, coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis, a situação do trânsito e dos transportes é resultado das escolhas feitas no passado. “Os danos à saúde e ao meio ambiente causados pela poluição são resultados dessas escolhas” reiterou.
Na opinião de Grajew é preciso mudar as prioridades. “Precisamos de escolhas éticas, para beneficiar a maioria da população.” Ele reforçou a importância da municipalização da Cide para baixar a passagem do ônibus. “Essa é escolha ética que devemos fazer”, exemplificou.
O evento contou com as participações da deputada federal Luiza Erundina, do diretor do Dieese Clemente Ganz, do professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em poluição atmosférica Paulo Saldiva, do diretor de Políticas Públicas do Greenpeace, Sérgio Leitão, e do pesquisador do IPEA Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho.
Erundina relatou sua experiência na área de transporte, de quando foi prefeita da capital paulista e apresentou o projeto de tarifa zero. “Era zero para o usuário, mas toda a cidade pagaria por esse serviço por meio do IPTU progressivo”, explicou.
De acordo com a ex-prefeita, o projeto era uma medida de justiça tributária e de justiça social. “Lamentavelmente não conseguimos sucesso na aprovação do IPTU progressivo, pois a Câmara Municipal rejeitou a proposta”, registrou. Na avaliação de Erundina, os jovens retomaram a proposta de tarifa zero e foram às ruas nas manifestações recentes.
Ela falou também sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de sua autoria, que inclui o transporte público como um direito do cidadão e um dever do Estado.
Clemente Ganz, diretor do Dieese, afirmou que a redução de R$ 1,20 na tarifa de transportes de São Paulo – que é de R$ 3,00 – teria um impacto significativo no bolso do trabalhador. “Para quem usa apenas dois ônibus por dia, um para ir e outro para voltar do trabalho, a economia seria de R$ 60,00 a R$ 70,00 por mês”, pontuou.
No diagnóstico do professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em poluição atmosférica Paulo Saldiva, a cidade está doente. “O que levou a essa situação foi a escolha que privilegiou o transporte individual”, constatou.
O fato positivo, segundo ele, é que a doença tira as pessoas da região de conforto e as obriga a mudar. “Já vi mais gente mudando para melhor nas UTIs do que nas igrejas.”
Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho, pesquisador do IPEA, apresentou (veja apresentação) alguns dados da Nota Técnica nº 2 produzida recentemente pelo Instituto. Pelos números expostos, a tarifa do transporte público nas nove maiores cidades brasileiras tem subido cada vez mais, enquanto o preço dos veículos privados tem ficado proporcionalmente mais barato.
A política do governo federal para as montadoras de automóveis motivou uma crítica do diretor de Políticas Públicas do Greenpeace, Sérgio Leitão. “Não adianta o governo municipal dar subsídios e priorizando os transportes coletivos, se o governo federal continuar dando subsídios [às montadoras de automóveis] para inundar as ruas de carros particulares.”
Diversos vereadores, prefeitos e secretários municipais também compareceram ao debate, que foi mediado pelo jornalista Milton Jung.