Por Natália Cancian
A poucos metros do parque Villa Lobos, um grupo de 50 usuários de crack se enfileira colado aos muros da obra de um prédio comercial.
São homens, mulheres e idosos que consomem e vendem a droga, vigiados pelo trânsito caótico do final da tarde e ao lado de uma caçamba de entulho revirada pela calçada.
O grupo compõe um retrato de um conjunto de "minicracolândias" que, discretamente, se espalha pelos bairros de São Paulo -um fenômeno que já leva a prefeitura a estender o Braços Abertos, programa voltado à recuperação de usuários, para além do centro da cidade.
A expectativa é que duas novas versões do programa, cujos projetos serão finalizado nesta semana, iniciem na Vila Leopoldina e em Santo Amaro ainda neste semestre.
A expansão ocorre após um levantamento da prefeitura que apontou ao menos 30 pontos fixos uso de crack no sul, leste, oeste e norte da capital paulista -locais onde foi verificada concentração superior a 30 pessoas durante mais de quatro meses.
As "minicracolândias" foram mapeadas por equipes das unidades básicas de saúde e dos Caps (centro de atenção psicossocial) e confirmadas por meio de câmeras da Guarda Civil Municipal.
O número de pontos de crack não fixos, porém, é ainda maior. Na zona sul, usuários se espalham entre colchões e barracas embaixo do viaduto Jabaquara, ao lado da avenida dos Bandeirantes.
Cena semelhante é vista no viaduto próximo às avenidas Paulista e Dr Arnaldo. Na tentativa de afastar o grupo, carros policiais param no local com as luzes acesas -vigiados, usuários migram para a parte de cima da estrutura.
Em Santo Amaro, usuários se dividem entre o canteiro central da avenida Atlântica e um posto de gasolina desativado. O crack é compartilhado atrás de um cavaletes com propagandas eleitorais.
O aumento no número de cracolândias em São Paulo, porém, não indica um aumento no número de usuários de crack, afirma Solange Nappo, pesquisadora do Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas).
"A maior visibilidade dá uma ideia de crescimento. Mas o que há é um fracionamento da antiga cracolândia. É uma situação nova", diz ela, que atribui o fenômeno à operação policial contra o tráfico de drogas na região da Luz, deflagrada em 2012.
Desde então, usuários que estavam no centro da cidade começaram a migrar para a periferia, afirma o psiquiatra Dartiu Xavier, que atende dependentes há 27 anos.
A concentração de programas anticrack na região central, o que fez com que outras regiões tivessem menos atenção, e "questões de mercado" são outros fatores que podem levar ao surgimento de pequenas cracolândias nos bairros, aponta o psiquiatra Hamer Palhares, do Inpad (instituto de políticas públicas do álcool e outras drogas).
Nova rotina
Na Vila Leopoldina, a constante ampliação de minicracolândias fez com que moradores da região criassem uma nova rotina. Temendo furtos, funcionários de um prédio comercial próximo à avenida Manuel Bandeira, onde há concentração de usuários, tentam ao máximo desviar do local. Outros passaram a andar em grupos.
"Aqui é superperigoso, sempre tem roubo, assaltos", diz Vanessa Rocha, 30. "Nunca chegaram perto, mas intimida. Ficamos com medo", diz a analista financeira Pâmela Castro, 24.
"Antes eu via muito pouco. Agora vejo no mínimo 50 por dia", diz Eloisa Carneiro, 37, proprietária de uma loja de artigos domésticos em Santo Amaro.
A maioria dos usuários ouvidos pela Folha em bairros como Vila Leopoldina e Santo Amaro afirma ter parentes próximos ao local. Outros buscaram endereços conhecidos, como a Ceagesp.
Após oito anos às voltas com o crack, Fernando de Jesus, 35, diz ver a expansão do Braços Abertos com desconfiança.
"Por que só agora, em época de política?", questiona.
Já Alexandre Alves de Souza, 46, o "Tremedeira", diz que espera uma nova oportunidade. "Quero sair da rua e viver como trabalhador", diz.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo