No dia 15, o Tietê transbordou e deixou debaixo da água vias e casa da Vila Itaim, localizada na várzea do rio; Prefeitura e governo do Estado prometem solucionar problema; obra está prevista para o segundo semestre.
Por Leandro Machado
"Cuidado aí para não pegar 'ratospirose'", brinca o torneiro mecânico Marcos Barbosa, 46, morador da Vila Itaim, bairro da zona leste que tem ruas e algumas casas alagadas há uma semana.
Na noite do dia 15, uma chuva forte encheu o rio Tietê, que transbordou. Construído na várzea do rio, o bairro ficou embaixo d'água. E assim está até hoje.
Marcos fez um trocadilho com a leptospirose, doença infecciosa transmitida pela urina do rato e que mete medo nos moradores da Vila.
Nas ruas, a água preta chega na canela. Quem tem medo tem galocha. Mas alguns moradores, menos preocupados, metem os pés na sujeira.
"Estamos acostumados [com a enchente], já temos anticorpos pra essa água suja", diz o funileiro Genivaldo França, 50, morador da Vila Itaim há 30 anos.
Para ir limpo ao trabalho, ele só troca de roupa na esquina, onde não há mais água.
Não fosse o alagamento, este domingo (22) teria sido um dia perfeito para a família do funileiro: sol forte, céu azul, almoço com os sete filhos e a mulher.
Com os cômodos ainda sujos pela água que demorou uma semana para sair, o jeito foi almoçar na filha, em São Miguel Paulista.
O sobrado de França parece construído para enfrentar as constantes enchentes. "São 30 anos debaixo d'água. Quando chove, vamos viver no andar de cima", diz.
Depois, aponta uma estante de vidro onde um grande monitor exibia canal a cabo. "Vidro não estraga com a água, como a madeira."
Rodo e Galocha
O rio Tietê ainda não saiu da casa de Maria das Dores Alves, 64. "Almoço, só se for no Bom Prato", diz. Ela passou o domingo tentando tirar a água preta que, há uma semana, está empoçada na cozinha, no banheiro e no quintal.
"Sou uma ótima anfitriã, mas tenho de expulsar essa água, não aguento mais", afirma, com rodo e galocha.
O sofá –colocado em cima das cadeiras– virou cama. "Quando a água entra, a gente protege sempre o sofá, porque é o primeiro que vai."
"Perdi o sofá, perdi tudo", diz a dona de casa Andressa de Melo, 22, que jogou o móvel inútil na frente de casa.
A jovem mostra onde dorme agora: dois colchões colocados no chão. A cama já apodreceu. "A chuva queimou a TV. Agora fico sozinha, imagina minha solidão."
A prefeitura e o governo do Estado prometem resolver as enchentes da Vila Itaim. Mais de 360 famílias de uma área pública mais próxima ao rio serão retiradas.
Na semana passada, o secretário municipal de Direitos Humanos, Eduardo Suplicy, visitou as famílias, de bote. "Pediram medidas urgentes para tirar a água dali", conta. A solução só deve chegar no segundo semestre, quando uma obra de contenção do rio deve ficar pronta.
Enquanto ela não chega, a água na Vila Itaim continua empoçada. "O que me resta é esperar ela baixar", lamenta Maria das Dores Alves.
No domingo, não teve almoço para ela.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo