Evento destacou os equívocos da proposta e efetivo cumprimento do ECA.
“A Constituição Federal não admite qualquer emenda tendente à violação de direitos humanos, garantidos em cláusula pétrea, tampouco é razoável se supor que a simples inserção de adolescentes infratores no sistema penal garantirá a eles o tratamento adequado para a sua reinserção social”, declarou o procurador-geral de justiça durante o “Encontro sobre Criminalização da Infância – Redução da Maioridade Penal”.
O evento, ocorrido na última quinta-feira (7/05), no Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional/Escola Superior do Ministério Público (CEAF/ESMP), debateu a Proposta de Emenda Constitucional nº 171, em tramitação no Congresso Nacional, que pretende reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos. O PGJ, Márcio Fernando Elias Rosa, fez a abertura do evento. Para ele “há claros equívocos” nos argumentos favoráveis à proposta de redução da maioridade penal. Segundo ele, tanto do ponto de vista formal como material a iniciativa é inconstitucional.
“Não se pode estabelecer a relação entre Estado e sociedade baseado na vingança”, observou. “O Estado vingativo não é Estado que faz justiça”, complementou o PGJ, que também questionou outros argumentos favoráveis à PEC 171.
Na opinião do diretor do CEAF/ESMP, Marcelo Pedroso Goulart, a Constituição Federal assumiu um papel importante no respeito aos direitos humanos. “No pacto social estabelecido em 1988, quando refundamos o Brasil em bases democráticas, o respeito ao desenvolvimento de crianças e adolescentes é um interesse estratégico da República brasileira” Para o diretor, “cabe ao CEAF/ESMP o papel de difundir os valores democráticos e isso o que estamos fazendo hoje”.
O procurador de justiça aposentado do MPSP, Munir Cury, participou da elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990. Ele enfatizou que o Estatuto não é devidamente cumprido e que “as medidas sócio-educativas, como prestação de serviços a comunidade e liberdade assistida, nos casos de infração de menor potencial, são praticadas de forma omissa, irresponsável e fracassada”. Munir Cury reassaltou que “se essas medidas fossem aplicadas adequadamente a possibilidade de reinserção dos menores na sociedade teria muito mais efetividade, não haveria o caos social que vem ocorrendo”.
No entendimento de Munir Cury a solução da violência cometida por adolescentes passa por um conjunto multidisciplinar e a redução da maioridade penal não surtirá o efeito supostamente esperado já que “vários países do mundo acreditaram que a medida seria benéfica, reduziram e depois aumentaram novamente a imputabilidade penal; é o caso do Japão e da Alemanha”. Ele ainda acrescenta que “as medidas são excessivamente burocráticas, mas elas deveriam ser humanizadas”.
Já para Gabriela Gramkow, psicóloga e conselheira do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP), “acredita-se que os jovens em conflito com a lei se beneficiam por uma suposta impunidade o que não é verdade, porque o ECA prevê diversas ações punitivas incluindo privação de liberdade nos casos mais graves”.
“A quem interessa a redução da maioridade penal? Reduzir a maioridade penal não reduz a violência, essa mudança atuaria somente no efeito e não na causa, além do que, estatisticamente os adolescentes são mais vítimas do que autores de crimes” declarou Gabriela. Para resolver de fato o problema, ela acredita que “devemos estabelecer estratégias de responsabilização coletiva e de verificação permanente da efetividade dessas ações, além do monitoramento das políticas públicas”.
Segundo a psicóloga existe um consenso social que ignora os determinantes sociais e históricos que produzem a criminalidade, apenas levando em conta a perspectiva punitiva. “Essa gestão retira a responsabilidade do jovem e produz efeito contrário. Quando não se legitima a viabilidade de uma construção que vai resignificar de sua infração, isso produz penas meramente de contenção e não de abertura da vida”, dessa forma “eu tiro a responsabilidade desse adolescente do seu próprio ato”.
Existe a crença disseminada de que o adolescente não tem condições de entender o caráter criminoso; o adolescente não tem, na verdade, é condição de se orientar diante do caráter ilícito da conduta.
“A redução da maioridade penal, ao invés de aplicar uma medida sócio-educativa que pode auxiliar o adolescente na construção um projeto de vida que seja diverso da criminalidade, irá completar a formação do jovem na promiscuidade do sistema penal Brasil que inclui violência psíquica, física, sexual”, enfatizou Olympio de Sá Sotto Maior Neto, procurador de justiça e coordenador do Centro de Proteção aos Direitos Humanos do MP do Paraná, integrante do Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo e Respeito à Diversidade Étnica e Cultural da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Segundo o procurador de justiça, a Organização das Nações Unidas (ONU) pesquisou 57 países e constatou que apenas 17% deles têm a imputabilidade penal antes dos 18 anos.
Na opinião de Olympio de Sá, colocar os adolescentes no sistema penitenciário atual irá permitir que eles integrem, ainda mais cedo, os grupos de crime organizado que se articulam dentro das prisões, “o adolescente precisa ser resgatado para a vida social e não entregue ao sistema penitenciário que, na maioria das vezes, não conseguirá reinseri-lo na sociedade”.
Matéria originalmente publicada no portal da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo