Elaborado pelo Grupo de Trabalho (GT) Criança e Adolescência da Rede, documento foi assinado por 64 organizações da sociedade civil.
Por Airton Goes, da Rede Nossa São Paulo
Nesta quinta-feira (18/6), a Rede Nossa São Paulo encaminhou um manifesto contra a redução da maioridade penal a todos os senadores e deputados federais.
O documento foi elaborado pelo Grupo de Trabalho (GT) Criança e Adolescência da Rede Nossa São Paulo e é assinado por 64 organizações da sociedade civil.
A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, para alguns tipos de crime, foi aprovada pela comissão especial da Câmara dos Deputados na quarta-feira (17/6).
Confira aqui Comissão da Câmara aprova redução de maioridade penal.
O objetivo das organizações da sociedade civil é sensibilizar os parlamentares a não aprovarem a medida nas votações que deverão ocorrer no plenário das duas casas legislativas.
Confira abaixo a íntegra do documento e as organizações que o assinam:
Manifestação pública da Rede Nossa São Paulo contra a redução da maioridade penal
Contra a criminalização da infância e juventude
Vivemos um cenário preocupante no Brasil em que para combater a impunidade e aumentar a segurança, vem sendo apresentadas, desde a década de noventa, alterações legislativas que endureceram o sistema penal. Todavia, mesmo com a aplicação destas medidas, não houve de fato uma diminuição da violência e da criminalidade no país.
Agora a grande panaceia é a redução da maioridade penal. Trata-se da crença coletiva equivocada de que os "cidadãos de bem" estão à mercê de crianças e adolescentes perversos que são tratados de forma branda pelas leis do país. Acredita-se que um processo de aprisionamento que se inicie mais cedo, aos 16 anos de idade, resultaria na diminuição da violência quer seja pela via da punição exemplar e uma possível inibição do comportamento antissocial, quer seja pelo confinamento do adolescente nas unidades de privação de liberdade. Tal perspectiva desconsidera que a violência é um fenômeno sistêmico de causas multifatoriais e que as abordagens devem ser, portanto, complexas e direcionadas não somente para o resultado, mas para as causalidades. Em países como a Espanha e a Alemanha em que houve a redução da maioridade penal, constatou-se que não ocorreu a diminuição da criminalidade.
A redução da maioridade penal vai frontalmente contra a Convenção sobre os Direitos da Criança ratificada pelo Brasil e por quase todos os países do mundo, com exceção dos Estados Unidos. Fere também a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Na Constituição Federal de 1988, os adolescentes com menos de 18 anos são considerados inimputáveis penalmente. Mas a lei não é branda! O ECA já responsabiliza o adolescente – de 12 a 18 anos de idade – autor de ato infracional, por meio de seis diferentes medidas socioeducativas, sendo que nas situações de maior gravidade, ele cumpre medida socioeducativa de privação de liberdade. Nos atos infracionais contra a vida, os adolescentes costumam ficar um período maior privados da liberdade, se comparado ao tempo de pena para adultos que cometeram crimes equivalentes. Não é simplesmente uma questão de alteração na lei. Cabe-nos, na verdade, promover a humanização do sistema de justiça para que realmente possibilite a reinserção do adolescente na sociedade.
As estatísticas desmentem a crença de que a sociedade é vítima destes adolescentes que cometem atrocidades. Os dados do UNICEF apontam que no universo de 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% comete atos contra a vida. E a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), do Ministério da Justiça, publica um estudo em 2014 indicando que os jovens de 16 a 18 anos são responsáveis por 0,9% do total de crimes praticados no país. Ao considerarmos apenas os homicídios e tentativas de homicídio, o percentual cai para 0,5%. Em contrapartida, o Brasil ocupa o segundo lugar no vergonhoso ranking mundial de homicídios de adolescentes. Enquanto os homicídios na população total correspondem a 4,8%, este número salta para 36,5% ao considerarmos as causas de morte por fatores externos entre adolescentes. Segundo o Índice de Homicídios na Adolescência, se não houver mudanças conjunturais, teremos 42 mil adolescentes assassinados no Brasil até 2019. Os adolescentes e jovens são as principais vítimas e não os principais autores da violência na sociedade. Na maior parte, eles são negros, pobres, moradores das periferias dos grandes centros urbanos. E este fenômeno social vem se intensificando também nas cidades menores.
Na proposta da redução da maioridade penal existe uma máxima de que a justiça é feita quando se pune o agressor através de uma sentença que implique em sofrimento, em castigo. Quanto mais dura a pena, entenda-se, quanto mais "cruel a pena", mais "justiça se fez". Não é incomum ouvirmos expressões como: "quero que a justiça seja feita e ele apodreça na prisão". O problema é que nesta perspectiva a justiça se transforma em ato de vingança e retaliação.
Se o objetivo é a reinserção dos nossos adolescentes na sociedade, não podemos concordar com o ingresso precoce deles nas prisões. O sistema carcerário do país está em colapso e não dispõe de mecanismos socioeducativos para a recuperação de um adolescente. Nos últimos 25 anos, acompanhamos a promulgação de leis como a dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/90) e de drogas (Lei n° 11.342/2006), o que resultou na superlotação das prisões, sem uma correspondente diminuição da criminalidade. Um modelo baseado no recrudescimento das leis e no aprisionamento em massa não resolve a questão da violência. É preciso que se construam políticas de segurança pública mais amplas.
A redução da maioridade penal é uma solução simplista e tira a responsabilidade do Estado e da sociedade na proteção integral e no compromisso de garantir as condições para o desenvolvimento da criança e do adolescente. É apaziguar momentaneamente os clamores populares, só que fechando os olhos para a roda que alimenta este sistema de injustiças, de violações de direitos e de violência: o descaso do Estado que não garante o acesso das nossas crianças às creches e à educação de qualidade; a falta de áreas de esporte, cultura e lazer; a ausência de políticas públicas efetivas em saúde mental para o atendimento da dependência química; a ausência de políticas de combate ao desemprego e subemprego para os pais e jovens.
A nossa proposta, portanto, é que o tema do combate à violência seja tratado na sua complexidade. E que a redução da maioridade penal não se apresente como uma medida compensatória pela insuficiência ou ineficácia das políticas públicas desde a primeira infância até a juventude e pela ausência de política de segurança pública no país.
Manifesto elaborado pelo GT Criança e Adolescente da Rede Nossa São Paulo
Assinam o manifesto as seguintes organizações (por ordem alfabética):
Associação Cidade Escola Aprendiz
Associação Civil Sociedade Alternativa
Associação Cultural Recreativa Esportiva Bloco do Beco
Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo (AEPPSP)
Ação Educativa
Agenda Pública
AJE-BRASIL (Associação Jurídico-Espírita do Brasil
Aldeias Infantis SOS Brasil – Rio Bonito
Associação Cristã Mãe Zazá
ASSOCIAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE IMPRENSA DE SÃO PAULO-APISP-SP
Associaçao Islâmica de São Paulo
Associação Luta pela Paz
Ato Cidadão
Caritas Brasileira Regional São Paulo
Cáritas Diocesana de Campo Limpo
Cenpec – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária
Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de SP
Centro Santo Dias de Direitos Humanos.
Coletivo de organizações do GT Criança e Adolescente da Rede Nossa São Paulo
COMPAZ Conselho Municipal de Cultura de Paz de Londrina
Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região – CRP-06
Escola da Cidadania da Região Sul de São Paulo – Santo Dias
Escola de Fé e Política Waldemar Rossi
Escola de Governo de São Paulo
Espaço Musical Ricardo Breim – Arte, Cultura e Educação
Fórum Municipal de Educação Infantil (FEMEISP)
Fórum Paulista de Educação Infantil (FPEI)
Fundação Gol de Letra
Fundação Tide Setubal
IHN – Instituição do Homem Novo
Instituto Alana
Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário.
Instituto Esporte Mais
Instituto Eurobase
Instituto Pólis
Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – Estadual SP (MCCE-SP)
Movimento Nossa Betim
Movimento Nossa BH
Observatório do Recife
Observatório do Terceiro Setor
Observatório Social de Belém
Observatório Social de Niterói
ONG Movimento Pela Paz e Não-Violência Londrina Pazeando
ONG Sociedade Amigos de Vila Mara, Jardim Maia e Vilas Adjacentes
Organização Pró Direitos Humanos – Projeto DIHU
OSCIP Mata Nativa MN
Pastoral da Educação da Arquidiocese de SP
Pastoral Fé e Política da Arquidiocese de SP
Plan International Brasil
Rede Esporte pela Mudança Social – REMS
Rede Nacional da Primeira Infância.
Rede Nossa Belém
Rede Nossa BH
Rede Nossa Brasília
Rede Nossa Ilhéus
Rede Nossa São Luiz
Rede pela Transparência e Participação Social – Retps
Renovação Cristã do Brasil
Secretaria Executiva da Rede Nossa São Paulo
Sindicato dos Profissionais em Educação do Ensino Municipal de S. Paulo – SINPEEM.
Sindilex – Sindicato dos servidores da Câmara Municipal e do Tribunal de Contas do Município de São Paulo
Sociedade Santos Mártires
UNICEF
Visão Mundial Brasil