Cidade de São Paulo tem 2 milhões de m² de imóveis sem uso

Pelo menos 907 edifícios e terrenos estão notificados sobre a necessidade do cumprimento legal da função social urbana

PABLO PEREIRA – O ESTADO DE S. PAULO

A cidade de São Paulo tem mais de 2 milhões de metros quadrados de imóveis “não utilizados”, “subutilizados” ou “não edificados”, áreas que poderiam ser usadas para atender à demanda por habitação na capital. A soma de edifícios e terrenos nesta situação, segundo dados do Departamento de Controle da Função Social da Propriedade da Prefeitura, chega ao tamanho de dois Heliópolis, bairro da zona sul onde vivem mais de 200 mil pessoas sobre solo urbano irregular. 

Na mira da fiscalização municipal, 1.320 imóveis já foram identificados e cadastrados e pelo menos 907 deles estão notificados sobre a necessidade do cumprimento legal da função social urbana, sob pena de até dobrar o valor do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) em cinco anos e desapropriação para uso social.

Nos próximos dias, os técnicos da Prefeitura devem começar a disparar o “chamamento oficial” aos proprietários para que interessados se habilitem a negociar as áreas pela nova Lei do Consórcio Imobiliário de Interesse Social (Lei 16.377/16), que vigora desde o dia 1.º de fevereiro. A Lei do Consórcio é uma ferramenta que permite a devolução das propriedades ao mercado imobiliário.

Por essa modalidade de negócio, a Prefeitura incorpora o imóvel, constrói apartamentos de interesse social e paga ao proprietário o custo do terreno em unidades no empreendimento, um expediente conhecido dos negócios no setor privado – quando o dono do terreno recebe apartamentos como pagamento na venda do imóvel. Segundo o secretário adjunto da Habitação, Mário Reali, uma das possibilidades em discussão é o proprietário ficar com a exploração de área comercial no térreo do empreendimento. 

“É um estoque de imóveis que a cidade pode usar para a habitação social, beneficiando quem mora longe do trabalho”, disse o vereador José Police Neto (PSD), um dos autores da nova lei, junto com o atual secretário de Cultura do Município, Nabil Bonduki (PT). 

Na lista das notificações, 63% são edifícios, 26% terrenos vazios e 11% são imóveis com construções consideradas inadequadas ou insuficientes. De acordo com as tabelas da Prefeitura, 63% desses imóveis notificados estão na área da Operação Urbana Centro, 25% em áreas de Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) 2, 3 e 5 e 12% na Operação Urbana Água Branca, na zona oeste. “Mas não basta transformar a Prefeitura em uma grande imobiliária”, cobra Police. “Tem de fazer funcionar.”

Economia

Com o mercado da indústria imobiliária estagnado, o Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon) de São Paulo aposta na nova lei como oportunidade de negócios. “É inovadora e muito bem-vinda”, afirmou Olivar Lorena Vitale Junior, do Conselho Jurídico da entidade. Ele alertou, porém, que a Lei do Consórcio ainda precisa de regulamentação e do esclarecimento de pelo menos três pontos polêmicos.

O primeiro é que a lei deveria conter, já em seu texto, segundo o advogado, qual das partes do negócio vai ficar com a conta do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI ) da operação. O segundo ponto é o eventual pagamento em dinheiro no caso de haver necessidade de desembolso na hora de fechar a operação entre o dono e o poder público. 

Por fim, segundo Vitale Junior, a Lei do Consórcio, sancionada pelo prefeito Fernando Haddad (PT) e com prazo de regulamentação em 45 dias, poderá enfrentar ações judiciais por dispensa de licitação. 

Segundo os técnicos municipais, o plano em São Paulo é ampliar a busca por imóveis para habitação social para oferecer alternativa de negócios para imóveis desocupados ou em situação de depreciação. A ideia inicial é reunir áreas na região da Subprefeitura da Sé, no centro, e estender a ação para áreas da Subprefeitura da Mooca, na zona leste, e do eixo da Santo Amaro, na zona sul, além de regiões periféricas nas quais os terrenos vazios são mais amplos, com mais de 20 mil metros quadrados.

A regulamentação da nova lei está sendo finalizada na Prefeitura. O diretor do Departamento de Fiscalização da Secretaria do Desenvolvimento Urbano, Fernando Bruno Filho, concorda que há pontos que podem criar dúvidas, mas acredita que cada um deles deve ser esclarecido no decreto de regulamentação. Bruno argumentou que, no caso da dispensa de licitação, “o procedimento de chamamento público é uma forma de garantir os princípios constitucionais que embasam todo o procedimento licitatório, como a publicidade e a impessoalidade”.

De acordo com a Prefeitura, já há contatos com proprietários interessados em usar a Lei do Consórcio para fazer negócio. O plano do Município é chegar ao final do ano com 1,6 mil notificações e pelo menos 2 mil imóveis cadastrados. “É uma legislação prevista pela Constituição de 1988 e pelo Estatuto das Cidades desde 2001”, argumentou Bruno Filho. Iniciativas semelhantes à paulistana existem em cidades como São Bernardo e Santo André, na Grande São Paulo, e Maringá, no Paraná.

 

Lei deve cortar gastos com auxílio-aluguel

Localizar terrenos e prédios vazios na cidade e devolver esses imóveis ao mercado pode ser uma maneira de reduzir os gastos da Prefeitura com um outro programa social, a Bolsa Aluguel, que já alcança 30 mil famílias na capital. Cada família do programa recebe R$ 400 mensais.

De acordo com Mário Reali, secretário adjunto da Habitação, os imóveis notificados podem ser aproveitados para habitação social, por meio da Lei do Consórcio, atendendo à demanda por moradia, além de reduzir custos também em outra ponta. Além do dinheiro do auxílio-aluguel, segundo Reali, a Prefeitura já gastou R$ 700 milhões com desapropriações para habitação. A nova lei, dizem os criadores, permite uma lógica de negócios imobiliários menos dependente do orçamento público. 

Matéria publicada originalmente no jornal O Estado de S. Paulo.
 

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