EMILIO SANT'ANNA – FOLHA DE S. PAULO
Apenas após dois anos de coexistência de seus programas para enfrentamento do uso de crack, Estado e Prefeitura de São Paulo começam a estabelecer um comitê gestor para troca de informações e estratégias sobre suas ações.
Segundo o secretário municipal da Segurança Urbana e coordenador do programa da prefeitura, Benedito Domingos Mariano, a instância está em fase de implantação e o objetivo é facilitar o trabalho de ambos para além da convivência dos técnicos na cracolândia, na região central.
A não institucionalização do diálogo pode levar a situações como um usuário de crack ser atendido por um programa e isso não ser de conhecimento do outro.
Na prática, isso é mais difícil de ocorrer porque, na rua, os técnicos se falam e trocam experiências, apesar de a prática não ser oficializada.
O programa De Braços Abertos, criado em 2014 pela gestão Haddad (PT), é baseado na redução de danos. O dependente é incentivado, pela oferta de emprego e renda, a diminuir o uso de drogas, sem necessidade de internação.
O Recomeço, instituído pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) em 2013, trabalha a saída do vício com tratamentos que incluem isolamento em hospitais e comunidades terapêuticas.
O diálogo entre as partes se iniciou a partir do termo de cooperação assinado em 2013 -ainda antes da criação do programa municipal- e que deu origem a um protocolo.
Como resultado, dois anos após o início do De Braços Abertos, estabeleceu-se um comitê com seis representantes de cada lado, diz Mariano.
Segundo ele, a primeira reunião nesse formato ocorreu em maio e uma próxima está prevista para este mês.
SEM POLÍTICA
"É importante saber se quem está no De Braços Abertos passou pelo Recomeço", diz Mariano. "Temos de trocar informações quando é relativo ao mesmo usuário e isso quebra a ideia de que os programas não conversam."
Há uma década trabalhando com usuários de drogas na cracolândia, a pastora Nildes Nery, 50, diz ver bons resultados na estratégia do Estado. Presidente da ONG Ação Retorno, ela afirma que, na prática, os dois programas já vêm agindo em rede.
"Na rua não existe essa coisa política. As pessoas acabam indo para as duas tendas [do Recomeço e do De Braços Abertos]", afirma.
São casos como o de Patrícia Vasco dos Santos Nascimento, 27, usuária de crack que retornou de uma internação após ser atendida pelo Estado e é uma das 460 pessoas no programa da prefeitura.
Para a secretária municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Luciana Temer, a criação do comitê facilita situações práticas.
Além das pessoas que já fazem parte do programa, a prefeitura também faz o acompanhamento de usuários que estão no fluxo. Atualmente, 220 deles estão na lista de espera para entrar no De Braços Abertos.
"Pode ocorrer uma abordagem de um técnico da prefeitura e o usuário preferir ir para uma clínica, ser internado. Por isso, é importante que essa relação seja institucionalizada", diz a secretária.
Além da prefeitura, um técnico do Estado ouvido pela reportagem confirma a criação do comitê. Procurada, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, porém, nega. A pasta diz que reuniões ocorrem desde 2013 e que nada mudou no diálogo com o município.
Matéria publicada originalmente na Folha de S. Paulo.
