ARTUR RODRIGUES – FOLHA DE S. PAULO
A política de atendimento a moradores de rua em São Paulo pouco avançou na gestão do prefeito Fernando Haddad (PT). O número de pessoas dormindo nas ruas subiu e a qualidade dos albergues é criticada pelos usuários –que muitas vezes preferem encarar madrugadas geladas ao relento em vez do abrigo público.
Ao menos quatro moradores de rua morreram durante a onda de frio dos últimos dias. Para a Pastoral do Povo de Rua, ligada à Igreja Católica, a causa mais provável é a baixa temperatura. O último caso aconteceu no domingo (12), quando Adilson Roberto Justino foi achado morto na calçada da av. Paulista.
No último censo dessa população, de 2015, a cidade tinha 15.905 moradores de rua, sendo 8.570 abrigados (54%). O percentual de acolhimento é quase igual ao do censo de 2011, penúltimo ano da gestão Gilberto Kassab (PSD) –na época, a população de rua era de 14.478, dos quais 7.713 abrigados.
A quantidade de pessoas não acolhidas nesse mesmo período passou de 6.765 para 7.335, um aumento de 8%. Segundo a prefeitura, as vagas fixas para pernoite são de 10 mil, além de 1.400 emergenciais criadas devido ao frio. No último domingo, a lotação chegou a 10.734.
REJEIÇÃO
Mesmo com leitos remanescentes, muitos preferem encarar as noites na rua. "Chega uma hora que está tão frio que você não consegue nem abrir e fechar as mãos. Mesmo assim, não vou para albergue", diz Anderson Souza Moreira, 21, desempregado que chegou da Bahia há três meses.
"Você é obrigado a sair de lá às 6h. Às vezes a assistência social te leva até um albergue em um bairro do outro lado da cidade e, chegando lá, a vaga não existe", afirma.
Os moradores de rua também reclamam de falta de vagas para famílias (são 590), falta de higiene nos abrigos e de lugar para deixar suas carroças e animais de estimação.
"Os albergues são fedidos, a comida é pouca, e ainda corre risco de pegar tuberculose", diz Joel de Souza, 35. Ele conta que a opção de muitos moradores de rua é andar para se aquecer de noite e ir dormir só no nascer do sol.
"A prefeitura precisa dar uma resposta ao problema de acolhimento", afirma Julio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua. Para ele, os atendimentos à população de rua caíram na gestão Haddad. "Ele fechou tendas [criadas na gestão Kassab para atender as pessoas de dia], fechou mais vagas do que criou. E os albergues continuam burocratizados, afastando uma população heterogênea como a de rua."
Segundo a assessoria de Kassab, em 2012 havia 11 mil vagas fixas para atender essa população. A prefeitura diz que a gestão anterior contabilizava atendimentos realizados de dia –a assessoria do ex-prefeito afirma que todas as vagas incluíam pernoite.
Os moradores de rua também reclamaram da retirada de colchões e papelões, usados como proteção, pelos agentes da GCM (Guarda Civil Metropolitana). A informação foi publicada no jornal "O Estado de S. Paulo". A GCM admitiu a retirada de itens, mas afirmou que deixa objetos pessoas e a ação é para evitar que a população de rua "privatize" espaços públicos, como calçadas.
OUTRO LADO
A gestão Fernando Haddad (PT) afirma ter criado mais de 2.000 novas vagas em albergues nos últimos anos. "Trabalhando com uma lógica de inclusão e acolhimento [a atual gestão] também criou novas modalidades de acolhimento para atender famílias, imigrantes e transexuais", afirma, em nota.
"A principal questão não é investir em novos acolhimentos, mas a qualificação dos acolhimentos existentes e a saída das pessoas desses acolhimentos", diz a secretária de Assistência Social, Luciana Temer. "A gente tentou diversificar atendimento para atender um grupo que não vinha."
Sobre as regras nos albergues, a prefeitura afirma que os locais "são regidos por normas que organizam" atendimento e convívio. "Muitas delas discutidas e aprovadas em conjunto com os acolhidos", diz a gestão Haddad.
Matéria publicada originalmente na Folha de S. Paulo.