Lei de Acesso à Informação traz avanços, mas ainda enfrenta ‘cultura do sigilo’

Em vigor há cinco anos, lei é responsável pela maior circulação de informações de interesse público. Por outro lado, judiciário e outros órgãos públicos ainda custam a se adaptar à "cultura da transparência"

Por Luciano Velleda para a RBA – Rede Brasil Atual

Instituída em 2012, a Lei de Acesso à Informação (LAI) aumentou o volume e a circulação de informação disponível à população, tendo se transformado em um importante instrumento de uso por parte de jornalistas e organizações da sociedade civil. A avaliação é da coordenadora do programa de Acesso à Informação da ONG Artigo 19, Joara Marchesini.

“A LAI mudou o cenário na circulação de informações, temos convicção disso”, afirma, enfatizando que, em média, há quase 300 pedidos por dia para o governo federal, esfera do executivo “onde a LAI está melhor aplicada”.

Para marcar a data, a Artigo 19 lançou na última segunda-feira (15) o estudo “Os 5 anos da Lei de Acesso à Informação – uma análise de casos de transparência”, divulgado num evento organizado em conjunto com a ONG Conectas, Transparência Brasil e Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

Desde 2012 monitorando o uso da LAI, Joara Marchesini explica que nesse período a Artigo 19 realizou alguns trabalhos temáticos, mas agora decidiu traçar um panorama mais amplo sobre os cinco anos da lei.

Para isso, a organização escolheu cinco casos emblemáticos do papel da LAI na luta por direitos humanos: na divulgação de informações sobre o impacto socioambiental da usina de Belo Monte; a publicação da “lista suja” do trabalho escravo; dados sobre o uso de agrotóxicos; o sigilo na esfera da segurança pública; e a ausência do acesso à informação sobre o direito ao aborto legal.

Segundo Joara Marchesini, o estudo mostra que, para além dos avanços obtidos com a lei, os desafios para seu melhor cumprimento ainda são muitos, principalmente no que tange à uniformidade na prestação das informações pelos diferentes estados e municípios, além do Judiciário e outros órgãos públicos. Na prática, a aplicação da lei tem sido “bastante heterogênea”.

“No nível do executivo federal, estamos discutindo, por exemplo, dados abertos, outro paradigma, enquanto no Judiciário e em municípios menores ainda estamos discutindo coisas básicas, como a resposta, então, é uma comparação bem difícil. Os problemas são diferentes dependendo de onde você avalia”, pondera.

Para a coordenadora do programa de Acesso à Informação da ONG Artigo 19, a aplicação da LAI acaba sendo bem diferenciada segundo o órgão e o tema. Como exemplo, cita que na área da segurança pública há desafios do que é informação pública e do que é informação sigilosa. Em outro caso, se o objetivo é encontrar uma informação dividida por gênero ou raça, as dificuldades também aparecem, sendo mais comum os órgãos públicos fornecerem dados gerais. O mesmo para populações vulneráveis, como, por exemplo, informações educacionais para populações indígenas ou presidiários.

“Esse panorama de diferenciação é um bom resumo da LAI. Por isso, para nós, um ponto essencial são os órgãos de controle, que devem fiscalizar como a LAI é aplicada ou não”, afirma Joara.

Ao contrário do senso comum que tende a achar que os maiores problemas ocorrem em municípios pequenos, ela cita o caso do Rio de Janeiro, que cinco anos depois da entrada em vigor da lei ainda apresenta dificuldades básicas em seu cumprimento.

“No Rio de Janeiro você tem dificuldade para registrar um pedido, enquanto em São Paulo, ainda que haja dificuldade, pelo menos já se está discutindo outros temas, que não são se você pode registrar o pedido ou não.”

Joara Marchesini destaca ainda que, ao comparar os três níveis de poder, o judiciário é o que tem mais dificuldade de se adaptar à LAI. Nos anos em que se aplicou a metodologia comparativa entre os três poderes, foi o Judiciário o que menos dava respostas, ou respondia com linguagem difícil.

“Creio que o Judiciário se vê à parte, quase como os órgãos de segurança pública, como se ele não devesse uma satisfação, não estivesse sujeito ao controle social, como uma outra esfera em que não se consegue ter um contato mais direto. Vimos que no Judiciário, principalmente no nível estadual, o índice de não resposta em 2016 foi de 56%”, disse a coordenadora da Artigo 19. “É uma esfera com mais dificuldade, ao contrário do que prevê a lei de máxima publicidade e mais transparência.”

Outro aperfeiçoamento necessário da lei, segundo Joara, trata da participação popular, o que inclui atas de reuniões e resultados de conferências. Na prática, as pessoas sabem muito pouco o que aconteceu depois da participação delas em debates ou como podem acompanhar os resultados.

“Informações sobre a participação popular é um dos grandes desafios”, afirma, dando como exemplo os conselhos municipais de saúde que, em muitos casos, até mesmo os nomes dos conselheiros é difícil encontrar.

Cultura da transparência

Joara Marchesini afirma que a promoção da lei é o principal objetivo do lançamento do estudo. Para ela, a lei ainda é pouco conhecida e pode ser melhor utilizada também por outras entidades da sociedade civil.

Apesar das dificuldades ainda existentes, a coordenadora da Artigo 19 acredita que os cinco anos de funcionamento da lei é muito pouco tempo diante de uma “cultura de sigilo”.

“Cinco anos em um processo histórico, vindo de uma cultura de sigilo, é pouco tempo. Por isso que quando falamos dos avanços, falamos de mais informação circulando, mais pedidos, e vemos esse potencial e o pouco tempo na perspectiva histórica. Antes as leis puniam quem dava informação e agora punem quem não dá, então, vai levar tempo para mudar essa cultura de transparência. Por isso que nossa avaliação é positiva. Achamos que é pouco tempo na perspectiva histórica.”

Ainda assim, ela enfatiza que o pouco tempo não pode ser usado como desculpa para alguns órgãos ainda estarem tão atrasados em procedimentos básicos.

“É tempo suficiente para haver uma regulamentação e pelo menos responder, achamos que deveríamos estar discutindo outros pontos e não aspectos básicos formais.”

A urgência da informação e o impacto dela diretamente na vida das pessoas é também um fator que demonstra o quanto o cumprimento da lei é fundamental. É o caso dos exemplos apresentados no estudo, como a usina de Belo Monte, que quando as informações foram enviadas, a obra já estava toda construída e o impacto ambiental concretizado. O mesmo com a falta de informação sobre o direito ao aborto legal e onde realizar o procedimento, uma situação em que a pessoa não pode esperar.

“Os poucos anos em vigor não podem ser uma desculpa por tanto tempo. Essa análise do que é urgente deve ser feita”, finaliza.

Matéria publicada no portal da Rede Brasil Atual.
 

Compartilhe este artigo