Nos cinco anos da LAI, evento discute limites entre direitos à informação e à privacidade

Debate foi organizado pela Rede pela Transparência e Participação Social, em São Paulo

No dia em que a Lei de Acesso à Informação (LAI) completou cinco anos de vigência, no último dia 16, diversas organizações da sociedade civil reuniram-se no Centro de Pesquisa e Formação do SESC, em São Paulo, para debater as transformações ocorridas no âmbito do direito à informação no Brasil, além dos conflitos existentes com o direito à privacidade.

Organizado pela Rede pela Transparência e Participação Social (RETPS), que todos os anos celebra o aniversário da LAI com debate sobre temas em destaque no cenário nacional, o evento “Debatendo a Lei de Acesso à Informação – Transparência versus Privacidade” teve como debatedores Paula Martins, diretora-executiva da ARTIGO 19, Jamila Venturini, pesquisadora e mestranda da Flacso Argentina, Natália Neris, pesquisadora do InternetLab e Márcio Aurélio Sobral, coordenador do Núcleo de Ações de Prevenção da Corrupção da Controladoria-Geral da União (CGU). A moderação ficou por conta de Laila Bellix, da Agenda Pública.

Uma das principais questões que permeiam o debate da relação entre os direitos à informação e à privacidade diz respeito aos casos em que cidadãos venham a ter acesso a dados pessoais de outras pessoas quando estiver requisitando o acesso a informações de interesse público. Atualmente, o Brasil carece de uma legislação que regulamente esse tipo de situação.

Primeira a expor suas ideias, Paula Martins afirmou que os direitos ao acesso à informação e à privacidade devem ser vistos não em uma relação de oposição, mas sim de complementaridade. “Para nós, a transparência e a privacidade são dois lados de uma mesma moeda. Em termos de Constituição, são direitos reconhecidos no Brasil e em tratados internacionais, que devem ser igualmente protegidos”, disse.

Para solucionar os eventuais conflitos que aflorem quando do exercício desses direitos, ela lembrou da necessidade de se balancear os princípios sobre o tema já existentes. “Hoje temos uma lei que protege o direito ao acesso à informação pública, mas não temos uma lei que proteja os dados pessoais. É uma falha que precisa ser resolvida e nesse ínterim temos um buraco que esperamos que seja preenchido. Assim, as áreas de sobreposição que existem entre esses direitos podem ser resolvidas por meio de balanceamento dos vários princípios que já existem e que podem orientar o respeito ao direito à privacidade e à informação”, opinou.

Na sequência quem falou foi Jamila Venturini. A pesquisadora rememorou um caso clássico envolvendo o conflito entre transparência e privacidade: a divulgação dos salários de servidores públicos. “Na época da aprovação da LAI, surgiu o debate sobre os limites do acesso à informação e da privacidade quando se falava da divulgação dos salários de servidores públicos. No entanto, aquele receio de se divulgar o salário e mesmo onde se mora hoje já é outro, já que o uso da tecnologia está mais disseminado e as pessoas têm mais predisposição a adotar determinada plataforma que requisite o fornecimento de dados pessoais”, analisou.

Ela também apontou a consolidação de um modelo de negócio entre as plataformas de Internet de uso gratuito, que restringe cada vez mais a privacidade das pessoas. “O modelo predominante é o baseado no armazenamento e processamento massivo de dados para posterior criação de perfil e venda de dados. Há uma série de agentes interessados em obter esses dados para vendê-los ou para vender soluções. Também há uma facilidade maior para o rastreamento e a agregação de informações na rede.”
 


 
Pornografia de vingança

Natália Neris, do InternetLab, compartilhou os achados de uma pesquisa que buscou verificar como o Judiciário brasileiro tem analisado os processos relacionados à chamada “pornografia de vingança” (revenge porn), prática de violação de privacidade que tem crescido bastante nos últimos anos feita essencialmente por homens contra mulheres. A pesquisa foi feita nos casos que chegavam à segunda instância, na qual os acórdãos são públicos. “São várias as conclusões da pesquisa. A principal é que não estamos diante de um problema exatamente sem legislação. Como os casos têm características muito diversas, alguns são enquadrados no Código Penal, outros no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Havia ainda outros que esperávamos que seria na Lei Maria da Penha, mas que não foram, e isso foi bastante curioso”, contou.

A pesquisadora também problematizou a divulgação de dados sobre casos de violência. “É importante pensarmos como o Judiciário pode ser mais transparente, mas também precisamos lidar com novos desafios. Por exemplo, a exposição de dados de violência doméstica não poderia gerar a revitimização? É fato que precisamos de transparência para conseguirmos melhores diagnósticos e melhores políticas públicas, mas aí temos uma questão sobre como fazer que isso aconteça”, questionou.

Por fim, Márcio Aurélio Sobral, da Controladoria-Geral da União (CGU), órgão responsável por avaliar recursos de quem tem seu pedido de informação negado em instâncias inferiores, enumerou algumas das dificuldades do seu trabalho. “Temos alguns obstáculos e um deles é a inexistência de uma legislação de proteção de dados pessoais. Isso porque quando vamos decidir se devemos dar ou não uma informação, precisamos de um balizador legal. Mas, quando não temos isso determinado, recorremos a uma analogia no direito para tomar uma decisão”, explicou.

Ele apontou a insegurança jurídica e o instinto de autoproteção do servidor público como um dos motivos para o alto número de negativas a recursos que chegam até o órgão. “Muitas vezes o servidor toma decisões por excesso de zelo, já que a lei responsabiliza, de forma objetiva, o Estado pela divulgação de informações de cunho pessoal que venham a causar danos a terceiros. No entanto, o Estado pode entrar com uma ‘ação de regresso’ contra o servidor que entregou a informação. Isso faz com que as decisões de negar o acesso à informação sejam uma forma de autoproteção para muitos servidores”, constatou.

Atualmente, há três projetos de lei sobre proteção de dados pessoais em tramitação no Congresso Nacional e somente um deles faz referência expressa à Lei de Acesso à Informação (PL 5276/16). Ao fim do debate, as/o convidadas/o reforçaram a necessidade de que haja uma Lei de Proteção de Dados Pessoais aprovada que sirva como norte para as discussões levantadas e para o fortalecimento das políticas de transparência pública.

Confira aqui outras fotos do evento 

 

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