Secretaria diz que 'decreto mantém equilíbrio e ampla representatividade'. Integrantes do conselho criticam medida.
Por Vivian Reis, do portal G1
O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), assinou um decreto que determina que o próprio secretário municipal da Cultura escolha os integrantes da sociedade civil que compõem o conselho que acompanha a implementação do Plano Municipal do Livro, desenvolvido pela pasta. O colegiado é responsável por fiscalizar ações do projeto e opinar, por exemplo, sobre o orçamento destinado ao plano.
O decreto de Doria também aumenta o número de membros do conselho que são oriundos da Secretaria de Cultura. Integrantes do colegiado, escolhidos por eleição direta e com mandato de dois anos desde janeiro de 2017, consideram a medida arbitrária e não sabem se a atual composição continua em vigor ou se foi dissolvida. Para a secretaria, as mudanças mantêm "equilíbrio e a ampla representatividade".
A Lei 16.333, que criou em 2015 Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca (PMLLLB), determina que o conselho fiscalizador seja formado por representantes da Câmara Municipal, das secretarias da Educação e da Cultura, e, majoritariamente, por integrantes da sociedade civil, “tais como professores, escritores, editores e bibliotecários”.
A lei de 2015 não deixa claro como os representantes da sociedade civil devem ser escolhidos, mas a gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT) promoveu eleição direta, na qual estava apto a votar qualquer munícipe da cidade de São Paulo com idade mínima de 16 anos.
No dia 22/7, o novo decreto publicado no Diário Oficial impõe uma nova regulamentação para escolha dos integrantes do Conselho. Nela, o secretário da Cultura ganha o direito de escolher todos representantes da sociedade civil.
Entenda as mudanças
– Antes do decreto, eram dois representantes da Secretaria da Cultura, dois da Secretaria de Educação, dois da Câmara Municipal e oito da sociedade civil.
– O novo decreto aumenta para três a quantidade de representantes da Secretaria da Cultura, diminui para sete o total de integrantes oriundos da sociedade civil e mantém dois da Secretaria da Educação e dois da Câmara Municipal.
– Os integrantes do conselho oriundos da sociedade civil deixam de ser escolhidos por eleição direta e passam a ser “escolhidos pelo titular da Secretaria da Cultura”, cargo ocupado atualmente por André Sturm.
– O Conselho continuará sendo composto por 14 integrantes.
– O mandato dos conselheiros continuará sendo de dois anos.
– Além da mudança na composição do conselho, o decreto aponta para uma redução das atividades do colegiado. Antes, as reuniões deveriam ocorrer, no mínimo, a cada três meses – portanto, cerca de 4 vezes por ano. O novo decreto indica que podem ocorrer duas reuniões por ano.
'Equilíbrio e ampla representatividade'
Em nota, a Secretaria da Cultura disse que o decreto mantém o "equilíbrio e a ampla representatividade", pois "possui metade dos representantes da sociedade civil e outra metade das Secretarias Municipais e Câmara Municipal de São Paulo".
A pasta explicou ainda que o "objetivo deste decreto é impulsionar o conselho para que seja efetivamente ativo e contribua para a implantação ampla do PMLLB". "Por este motivo, ele abre, ainda, a possibilidade de pessoas especializadas nos assuntos relacionados à finalidade do conselho e representantes de órgãos e entidades públicas e privadas, tornando-o mais participativo", informou a pasta na mesma nota.
A Secretaria da Cultura foi questionada se o novo decreto dissolve automaticamente o atual Conselho, mas a reportagem não obteve resposta.
Reação de conselheiros
A lei do Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca (PMLLLB) começou a nascer em 2012, pressionada pela sociedade civil, por entidades, organizações não-governamentais, professores, pesquisadores e ativistas do livro e da leitura, que se organizaram para pedir um projeto de universalização da leitura da capital paulista.
Em 2013, um grupo informal virou um grupo de trabalho, que juntamente com representantes do governo e da Câmara Municipal, criaram o projeto de lei. A proposta foi submetida a cerca de 40 consultas públicas e enviada para aprovação na Câmara, onde foi aprovada por unanimidade.
A especialista em pedagogia social, coordenadora do LiteraSampa e uma das participantes da discussão do projeto, Isabel Mayer dos Santos, lamentou o decreto em entrevista ao G1. “O documento fere o princípio participativo do plano. Uma política pública de construção de uma cidade de leitores precisa trazer o máximo de diversidade de vozes”, defende Mayer. “É a sociedade que deve se manifestar e escrever a sua própria história”, continua.
Os atuais integrantes do conselho acreditam que o decreto foi uma medida arbitrária, pois não haveria motivo ou justificativa para a dissolução do grupo. “O decreto é um ataque a democracia. Houve um debate sobre como organizar a eleição para o conselho. Se o grupo não estivesse funcionando, se os membros estivessem emperrando as discussões…. Qual é o problema, afinal?”, questiona Cida Perez, representante da Câmara Municipal do Conselho.
O grupo também considerou o decreto autoritário, já que seus integrantes souberam da mudança pelo Diário Oficial, sem qualquer diálogo. “Qual é a função de um conselho? Fiscalizar e acompanhar a atuação do governo. Agora, o governo indica quem vai fiscalizá-lo e acompanhá-lo? É uma ditadura, praticamente”, criticou o bibliotecário Ricardo Queiroz, que utilizou como tema de sua dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo a construção do PMLLLB.
Matéria publicada no portal G1.
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