Reduzir tragédia do trânsito deveria ser projeto do Brasil, diz especialista

FABRÍCIO LOBEL – FOLHA DE S. PAULO

A redução das mortes no trânsito do Brasil –que teve mais de 38 mil casos em 2015– deve ser assunto prioritário de Estado, acima de partidos ou mandatos políticos.

"O Brasil tem problemas, ok. Mas poucos problemas custam 38 mil mortes ao ano. Creio que reduzir essa tragédia seja um projeto de país. Não um projeto de direita ou de esquerda", diz Pere Navarro, especialista espanhol em segurança de trânsito.

À frente do Departamento Geral de Trânsito da Espanha entre 2004 e 2012, o engenheiro comandou ações que contribuíram para uma queda drástica das mortes em acidentes de trânsito do país.

Entre 2004 e 2015, o número de vítimas no trânsito espanhol saiu de 4.741 para 1.689, uma redução de 64%. A política apostou fortemente em campanhas publicitárias e reforço na fiscalização.

Ainda assim, o país se preocupa agora com um novo perigo: as distrações pelo uso de celular. "No ano passado, pela primeira vez, as distrações foram a primeira causa dos acidentes com mortes, passando na frente da velocidade. Nos últimos seis anos, dobraram os acidentes por distração, incentivados em grande parte pelo uso excessivo e inadequado do celular enquanto se dirige", diz.

No início do mês, Navarro esteve no Brasil para participar do Fórum Arteris de Segurança, promovido por uma concessionária de estradas de origem espanhola.

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Folha – Como se explica o caso de sucesso da Espanha? É possível replicá-lo no Brasil?

Pere Navarro Olivella – Claro. Na Espanha, um fato importante a destacar é que, em oito anos, uma mesma equipe tomou conta das políticas de segurança viária. A estabilidade é importante para a segurança. As mudanças constantes entre os responsáveis pela segurança viária dificultam a obtenção de bons resultados.

Em segundo lugar, colocamos as vítimas e suas famílias no centro da política de segurança viária. Geralmente, eles eram esquecidos. Mas eram eles que tinham toda a credibilidade para falar do assunto, de convencer e trabalhar para que ninguém mais passe pelo que eles passaram.

Em terceiro lugar, os dados. É muito importante ter e compartilhá-los com todos os cidadãos para que estejam conscientes da magnitude da catástrofe do trânsito.

E em quarto, a fiscalização. Pois, a segurança viária é educação, formação de condutores, informação, mas sobretudo controle para dar a sensação de punição, para se fazer com que se cumpram as leis.

A Espanha passou por essa transformação também pelo reforço da fiscalização?

Antes das novas políticas de segurança, já era proibido beber e dirigir, era obrigatório o uso de cinto de segurança e respeitar os limites de velocidade, mas não se cumpriam as leis. Com a nova política, as leis eram as mesmas, mas o cidadão passou a cumpri-las. Essa foi provavelmente o maior êxito, a maior mudança que se produziu no país.

Em 2004, estávamos com o dobro da média europeia de mortes no trânsito. Naquele momento, percebemos que, se outros países tinham taxas melhores, nós também poderíamos melhorar.

Atualmente, somos o quarto país europeu com menores índices de morte no trânsito, atrás da Suécia, Holanda e Reino Unido.

E assim como a América Latina, a Espanha também é latina. Gostamos de beber, de festa, gostamos de correr de carro para ir à praia e à montanha. Então, se nós pudemos mudar esse cenário, o Brasil também poderá.

O Brasil atualmente vive uma crise política e econômica. De que maneira isso pode ser um empecilho para políticas de segurança viária?

Acredito que, se as pessoas vivem razoavelmente bem e se os principais problemas de um país estiverem mais ou menos resolvidos, então seria mais fácil de dialogar sobre o tema da segurança viária.

Se esse não é o caso, em todo caso, no Brasil são mais de 38 mil mortos por ano no trânsito. Sei que o país tem muitos problemas, todos temos muitos problemas. Mas poucos problemas custam 38 mil mortes ao ano.

Creio que mudar esse quadro trágico seja um projeto de país. Não um projeto de direita ou de esquerda, mas um projeto de Estado, de todos, e é possível fazê-lo.

Como inserir essa mudança no debate público?

Quando há eleições políticas na Espanha, todos os partidos têm em seus programas medidas para fazer frente aos acidentes de trânsito. Quando há um debate sobre o Estado, a nação e o país que queremos, um problema que deixa mais de 38 mil mortos merece uma referência específica.

Há de se ter um discurso compreensível, razoável, que os cidadãos entendam, mostrando que os acidentes de trânsito são evitáveis.

Ou dizendo: vamos priorizar a segurança viária, sobre qualquer outra questão do trânsito. Ou ainda que não há soluções milagrosas. O que devemos fazer são medidas coerentes ao longo do tempo.

Mas insisto, não se pode politizar. Esse é um problema de Estado, não de esquerda nem de direita. As soluções técnicas, as estratégias, ou seja, o que tem que ser feito está claro. Mas para viabilizar essas medidas, deve-se buscar um consenso político.

A Espanha se notabilizou por campanhas publicitárias fortes pela redução de acidentes e mortes. Qual o peso dessa ferramenta para a população?

Na minha opinião, as campanhas sozinhas têm efeito limitado. Elas melhoram a situação, mas se não são tomadas outras iniciativas, em seis meses retornamos ao ponto de partida.

A campanha tem sentido quando junto dela se toma uma medida de controle, de fiscalização. A campanha serve para explicar a medida, para convencer os cidadãos de uma medida importante.

Não nos enganemos, é mais importante a fiscalização do que as campanhas publicitárias.

Quais são os desafios mais recentes da Espanha no tema?

No ano passado, pela primeira vez, as distrações foram a primeira causa dos acidentes com mortes, na frente da velocidade. Nos últimos seis anos, dobraram na Espanha os acidentes por distração, incentivados em grande parte pelo uso excessivo e inadequado do celular enquanto se dirige.

Há um estudo que diz que mandar mensagem enquanto se dirige equivale a dirigir sob o efeito de quatro cervejas.

Outros estudos mostram que 50% dos condutores, com até 50 anos, reconhecem que leem e escrevem mensagens enquanto dirigem.

Esse é um problema não só entre os motoristas, é também entre os motociclistas, ciclistas e pedestres.

Qual a saída?

Não há solução milagrosa. No momento, o que está sendo feito são campanhas publicitárias de conscientização que ensinem as pessoas a mudar essa conduta.

Devemos dizer à população que, assim como o passageiro ao entrar em um avião desliga o seu telefone, o motorista deveria fazer o mesmo ao entrar no carro.

Mas depois disso, outra ferramenta, e que a Espanha ainda está buscando de maneira incipiente, é criar um sistema tecnológico que flagre o motorista que manuseie o celular enquanto dirige.

Esse problema do smartphone é generalizado, de todo o mundo, tendência mundial.

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.

 

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