Após anunciar mudança, gestão Doria vai manter Carnaval descentralizado

GIBA BERGAMIM JR. – FOLHA DE S. PAULO

Após dizer que o Carnaval de rua na Vila Madalena (zona oeste) "já deu o que tinha que dar", o prefeito João Doria (PSDB) deixou em polvorosa a turma da batucada que reuniu em 2017 cerca de 3,5 milhões de pessoas nos dias de folia paulistana neste ano.

O plano do tucano era levar os tradicionais blocos de rua que circulam por ali para a avenida 23 de Maio, que liga o centro à zona sul da cidade.

Após a publicação de uma carta aberta de um fórum de grupos carnavalescos da cidade com críticas às declarações, a administração acertou o ritmo e parece ter chegado a um consenso com representantes de blocos, dando garantias de que o modelo descentralizado adotado neste ano deve ser mantido.

O plano de Doria para um desfile com direito a pôr-do-sol com vista para o parque do Ibirapuera está mantido, mas deverão estar na 23 os blocos de fora da cidade que queiram trazer seus sambas, marchinhas, axés e afins para a terra da garoa, que já teve no passado o maldoso apelido de "Túmulo do Samba".

Ou seja, o Carnaval de rua deve continuar descentralizado, mas ainda há um impasse a ser definido: se os blocos serão tolerados dentro da Vila Madalena, maior foco de reclamações de moradores da região por causa do trânsito e do acúmulo de lixo.

Em 2017, o Centro, com 113 blocos, superou a Vila, que, no entanto, seguiu bombada.

O compromisso de manutenção da folia num modelo sem rupturas em relação ao atual foi assumido pelo secretário-adjunto de Prefeituras Regionais, Fabio Lepique.

Tradicionalmente, os blocos famosos desfilam no chamado pré e pós Carnaval, dias que antecedem ou sucedem os quatro dias oficiais de folia.

A ideia é que esses blocos –são cerca de 500 em toda a cidade– sejam mantidos em seus circuitos de origem.

Por exemplo, o Acadêmicos do Baixo Augusta segue na rua da Consolação, enquanto a Confraria do Pasmado –bloco que nasceu no miolo da Vila– fará a festa na rua dos Pinheiros, como acontece há dois anos.

"Todos os blocos do Rio e da Bahia, por exemplo, estão convidados para virem para cá. Mas um Carnaval livre e sem abadá", afirmou Lepique.

Segundo secretário-adjunto de Prefeituras Regionais, os blocos grandes da capital paulista também serão incentivados a fazer desfiles na 23 nos dias oficiais, mas mantendo o calendário de participação deles em seus locais de origem.

CRÍTICAS

A grande crítica às declarações de Doria a emissoras de rádio era que elas eram incompatíveis com decreto publicado dias antes (no dia 5 de outubro), fruto de uma reunião com o vice-prefeito, Bruno Covas.

A publicação garantia a descentralização do Carnaval, com regras que davam liberdade aos blocos.

Para integrantes dos blocos, as declarações de Doria serviam para "bater bumbo" para um eleitorado mais conservador, que seria contra a folia.

O prefeito se posiciona como candidato à presidência da República no ano que vem.

Representante do Acadêmicos do Baixo Augusta, bloco que reuniu cerca de 350 mil pessoas neste ano, o empresário Alê Youssef foi mais um a criticar o prefeito de São Paulo.

"Tudo ia bem até que o Doria deu aquela declaração. Não entendemos, porque era contra o decreto", disse.

"Queremos manter um Carnaval livre, democrático e descentralizado", afirmou Youssef.

Segundo Lepique, a declaração do prefeito foi "tirada de contexto".

Até o fim de outubro deve ser publicado um guia com todas as regras para inscrição dos blocos. O documento será elaborado por um grupo que envolve 12 secretarias.

O credenciamento dos blocos de Carnaval de rua deverá ocorrer até o fim do mês de novembro.

REUNIÃO

Diretor e mestre de bateria da Confraria do Pasmado, Ronaldo Bitello, disse que reunião ocorrida na última quinta-feira (19) deixou os amantes do Carnaval de rua mais tranquilos. O encontro envolveu uma comissão formada por doze representantes de blocos e o secretário-adjunto de Prefeituras Regionais, Fabio Lepique.

Segundo Bitello, a criação de um circuito na avenida 23 de Maio ocorreu devido a demanda de cinco grandes blocos de fora da cidade que se mostraram interessados em participar do carnaval paulistano.

Um deles, o de Daniela Mercury, participou da festa no último ano, no centro da cidade, usando um trio elétrico grande, que acabou gerando transtornos.

"Não havia ficado claro, pelas declarações do Doria, que a 23 era um circuito alternativo focado em dar solução a essa questão dos blocos de fora e que não seria obrigatório para os grandes daqui, o que para nós é inaceitável. A reunião esclareceu que não será o caso", disse Bitello.

O empresário Alê Youssef, representante do Acadêmicos do Baixo Augusta, também afirmou que, após a reunião, ficou mais tranquilo.

CERVEJA

Bitello disse que outro compromisso que os blocos querem ver mantido é a liberdade para a busca de patrocínios.

Assim como nos anos anteriores, eles querem captar seus próprios patrocinadores, independentemente de a prefeitura fechar contratos para garantir a infraestrutura da folia. Nos últimos anos, a Prefeitura de São Paulo tem fechado contratos milionários com cervejarias para ajudar a bancar a festa.

"Queremos ter liberdade para buscar o patrocínio de uma cervejaria, por exemplo, mesmo que a prefeitura feche contrato com a concorrente", disse Bitello. 

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.

 

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