No Brasil, 55% da renda fica com os 10% mais ricos

País só perde para o bloco de países do Oriente Médio, segundo relatório inédito realizado por pesquisadores da Escola de Economia de Paris

Andrei Netto, correspondente, O Estado de S.Paulo

Um novo relatório produzido por mais de 100 pesquisadores da Escola de Economia de Paris (PSE), coordenados pelo economista Thomas Pikkety, confirmou ontem o Brasil no topo das nações com maior desigualdade social no mundo. Segundo o estudo, os 10% mais ricos da sociedade brasileira concentraram 55% de toda a riqueza produzida em 2016, enquanto 12% foram parar nas mãos dos 50% mais pobres. A classe média, que representa 40% da população, agregou 32% do total. Os números indicam que o País só perde para os do Oriente Médio e está ao lado dos da Índia entre os que mais concentram renda.

As conclusões fazem parte do Relatório Mundial de Desigualdade, um levantamento que aborda a distribuição de renda nos Estados Unidos, Canadá e Europa, entre os países desenvolvidos, e agora agrega também dados dos maiores emergentes: China, Rússia, Índia, Brasil e Oriente Médio e África Sub-Saariana, reunidos em dois blocos de países. Esse conjunto representa 75% da riqueza mundial.

Os dados fazem parte de um estudo inédito e aplaudido na Europa, o "Relatório de Desigualdade Mundial", produzido no Laboratório sobre as Desigualdades Mundiais da Escola de Economia de Paris. O trabalho é coordenado por Thomas Piketty, autor do já clássico O Capital no Século 21, e por Lucas Chancel, diretor de pesquisas da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS). A grande novidade do relatório atual é a revelação dos dados de desigualdade sobre os países emergentes.

As estatísticas reunidas sobre o Brasil têm sido trabalhados por Marc Morgan, doutorando da instituição. O economista irlandês já havia apresentado nesse ano um relatório sobre os últimos 15 anos da curva de desigualdade social no Brasil e trabalha em parceria com pesquisadores brasileiros na agregação, cruzamento e análise de dados desde 1920 – uma forma de traçar a evolução histórica da desigualdade no País.

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O pesquisador afirma que o topo da elite econômica brasileira, representada pelo 1% dos mais ricos, é a que mais concentra mais riquezas em todo o mundo, comparada com o 1% mais rico dos demais países. Os ultra-ricos, a fatia que reúne os 0,1% mais ricos da população, também continua, a agregar renda, na contramão da tendência do país, de ligeira melhoria na distribuição. Em 2001, eles acumulavam 11% do PIB nacional, contra 14,4% hoje. Os detalhes da nova fase de seu estudo serão conhecidos nessa sexta-feira, no segundo dia da conferência em curso na PSE, em Paris.

De acordo com Lucas Chancel, o Brasil está em uma espécie de limite da desigualdade. “São níveis tão elevados que dificilmente poderiam aumentar ainda mais”, afirmou.

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Além de abordar os países emergentes, os pesquisadores da instituição revelam que a as desigualdades cresceram em quase todas as regiões do mundo nas últimas décadas. 

A pior trajetória acontece no Oriente Médio, onde o 1% mais ricos concentra 61% das riquezas nacionais. Seguem Brasil e Índia, empatados, e África subsaariana. O bloco que reúne Estados Unidos e Canadá concentrou em 2016 47% da renda nas mãos do 1% mais ricos, seguido de Rússia, com 46%, China, com 41%, e Europa, com 37%. 

A Europa é não apenas a região onde as diferenças entre ricos e pobres são menos gritantes, mas também é a que melhor tem resistido nas últimas décadas ao aumento do fosso social. “Em quase todas as regiões do mundo a desigualdade vem crescendo”, explica Thomas Piketty. O estudo mostra que, em especial nos períodos de crescimento econômico, é a parcela dos 1% mais ricos da população que mais acumula, e que a tese de que o crescimento dos mais ricos é necessário para gerar crescimento em toda a sociedade é um mito. O exemplo perfeito é a Índia, um país que registra um forte crescimento econômico, mas vê a desigualdade de renda aumentar de forma vertiginosa. “O crescimento da renda dos 1% com renda mais elevada é muito mais forte do que para os 90% com renda mais baixa”, diz Piketty. 

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O relatório confirma que as desigualdades aumentam mais rápido nos países que não têm políticas públicas específicas para redistribuir renda, têm sistemas fiscais distorcidos e não investem o suficiente em fatores de distribuição, como a educação. 

Outra conclusão dos pesquisadores é de que os países estão ficando mais ricos, mas seus governos, mais pobres. A repercussão prática disso são serviços públicos de pior qualidade, como educação, saúde e programas de renda mínima mais precários. Isso se dá por políticas que causaram o aumento do endividamento público e privatizações em massa, que transferiram riquezas para o setor privado, concentrador de renda.

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Os pesquisadores ainda fizeram três prognósticos para o futuro da distribuição de renda até 2050. O cenário mais pessimista é aquele em que o mundo segue o ritmo da curva de concentração dos Estados Unidos. Nesse caso, os 1% mais ricos devem saltar de 20% da riqueza, em média, para perto de 30%. Se forem adotadas políticas de redistribuição que tornem a evolução semelhante à da Europa, a desigualdade pode cair.  

Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.
 

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