Metade dos brasileiros que moram em locais com deslizamentos de terra, inundações e enxurradas frequentes está na Região Sudeste, segundo estudo inédito do IBGE. Para especialista, se nada for feito, situação ficará pior com aquecimento global
Roberta Jansen, O Estado de S. Paulo
Nas fortes chuvas do fim de março, a família da faxineira Carla Renata Lopes do Nascimento, de 30 anos, nem teve tempo de pensar. Ao ver a água subindo debaixo da casa e o chão cedendo na cozinha, ela pegou os filhos e correu. A pontezinha sobre o córrego ao lado do barraco já sumia, e a família conseguiu escapar por um buraco aberto na parede de um vizinho. Moradora da favela do Camarazal, no Rio Pequeno, na zona oeste de São Paulo, Carla Renata é um dos cerca de 674 mil moradores da capital que vivem em áreas de risco, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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O estudo coloca São Paulo como o segundo município com mais habitantes vivendo em regiões em que são frequentes deslizamentos de terra, inundações e enxurradas, atrás apenas de Salvador (mais informações nesta pág.). Procurada, a Prefeitura informou que há na cidade 407 áreas de risco, segundo levantamento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de 2010, e que trabalha para atualizar o número de pessoas que moram nesses locais. No País, um total de 8,2 milhões de brasileiros vivem em áreas consideradas de risco para desastres naturais. Os números integram pesquisa inédita do IBGE divulgada nesta quinta-feira, 28, em parceria com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
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Para fazer o levantamento, os dois órgãos cruzaram informações demográficas do último Censo disponível, de 2010, com dados do Cemaden referentes aos 872 municípios com histórico de desastres. O objetivo é prevenir ou mitigar tragédias naturais, identificando e detalhando as regiões de maior risco e suas vulnerabilidades.
A Região Sudeste, que teve 308 municípios analisados, apresentou o maior contingente populacional residindo em áreas de risco: um total de 4,2 milhões de moradores, praticamente a metade do número de pessoas em risco em todo o País.
O fato de as capitais e as áreas mais ricas do Brasil estarem listadas como regiões de maior risco de desastres naturais não é contraditório, de acordo com Cláudio Stenner, da Coordenação de Recursos Naturais e Estudos Ambientais do IBGE. “Isso tem a ver, em primeiro lugar, com o próprio padrão de ocupação do País, pela costa. Salvador, por exemplo, é a cidade mais antiga do Brasil.” Já São Paulo e Minas têm muitas construções em encostas, mais sujeitas a deslizamentos, e em vales, onde é maior o risco de cheia.
Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Paula Freire Santoro destaca a importância de diversificar as políticas de habitação para atacar melhor o problema da falta de moradia, que leva as pessoas a ocuparem áreas de risco. “A situação pode ser contornada como aproveitamento de edifícios habitacionais em área central, urbanização de favelas e regulação do preço do aluguel – se reduzir o preço, menos unidades precisarão ser construídas.”
A professora explica que é preciso analisar os diferentes graus de risco a que essas pessoas estão expostas para encaminhar as soluções. “Há riscos mitigáveis, que dá para consertar sem retirá-las. Em outros casos, há risco imediato à vida ou o custo para uma obra seria inviável.”
Se nada for feito, o problema tende a piorar no futuro, sobretudo na Região Sudeste, por causa do aquecimento global. O alerta é do economista e ecologista Sérgio Besserman Vianna. “No Sudeste, vai chover mais e mais forte e o nível do mar vai subir”, diz.
Em Salvador, 45% moram em locais sob ameaça
Salvador é a capital com a pior situação de moradia em áreas de desastres naturais. Segundo o levantamento do IBGE, 1,2 milhão de pessoas – 45% da população – vivem nesses locais.
A aposentada baiana Marli Leão de Jesus, de 67 anos, teme desmoronamentos a cada período de chuvas em Salvador, entre abril e agosto. Moradora há 20 anos de um barranco na Avenida Centenário, no centro, ela conta que há três anos acordou sob o impacto de um deslizamento ocorrido no quintal de uma residência vizinha que, por pouco, não atingiu a sua pequena casa, de quarto e sala. “Botei a mão na cabeça e chamei por Jesus. Não tinha muito o que fazer. Mas, graças a Deus, não fui atingida.”
No local por onde a terra correu, próximo à casa de dona Marli, a encosta está coberta por uma manta plástica, recurso usado pela prefeitura para impedir que o solo fique encharcado.
Salvador é uma cidade de topografia irregular e ocupação desordenada. Possui cerca de 600 áreas de risco, de acordo com registro da Defesa Civil. Em abril, algumas dessas localidades – as comunidades de Bom Juá, Vila Picasso, Calabetão, Coronel Pedro Ferrão, Mamede e Baixa de Santa Rita –, passaram a contar com sirenes de alerta, que avisam a população em caso de risco de deslizamento./ COLABORARAM GIOVANA GIRARDI , MARCO ANTÔNIO DE CARVALHO E HELIANA FRAZÃO
Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.
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