Frente Parlamentar criada na Câmara Municipal acolhe minuta de projeto de lei para regulamentar a Lei Orgânica do Município e possibilitar a realização de consultas públicas
Por Rodrigo Gomes, da RBA
Com o intuito de viabilizar a consulta pública através de plebiscito e referendo na capital paulista, foi iniciada ontem (9) uma mobilização reunindo entidades, ativistas e vereadores para regulamentar o artigo 10 da Lei Orgânica do Município (LOM) de São Paulo, que institui a medida. O objetivo é garantir a participação da população em decisões sobre ações e obras de grande impacto ambiental, social ou financeiro, como a definição do subsídio das tarifas de ônibus, a privatização de empresas ou a construção de um aeroporto, por exemplo.
A ideia é elaborar a minuta de um projeto de lei que defina as condições, motivações e formas de convocação de plebiscitos – que perguntam antes para a população se algo deve ou não ser feito – e referendos – que confirmam ou revogam uma decisão do poder público. O projeto seria depois encaminhado para a Câmara Municipal.
“A sociedade sabe o que quer. Basta observar as dezenas de propostas apresentadas aos candidatos na última eleição”, defendeu Carmem Cecília Amaral, do Grupo de Trabalho (GT) de Democracia Participativa da Rede Nossa São Paulo, durante evento de lançamento da proposta, na Câmara Municipal paulistana.
Junto com a mobilização da sociedade foi criada uma Frente Parlamentar com nove vereadores que se comprometeram a encampar o processo na Câmara Municipal: Antonio Donato, Juliana Cardoso e Nabil Bonduki (PT); Ricardo Young (PPS), Toninho Vespoli (Psol), José Police Neto (PSD), Eliseu Gabriel (PSB), Patrícia Bezerra (PSDB) e Gilberto Natalini (PV). A ideia é que sejam realizados debates, fóruns, audiências públicas e outras ações para preparar a proposta. A Frente deve ser oficializada nos próximos dias.
Para o jurista Fábio Konder Comparato, implementar medidas como essa é o que vai garantir o aprofundamento da democracia no país. “Desde que se instalou a organização política no Brasil, em 1554, o poder ficou na mão de dois grupos: os empresários e proprietários e os agentes estatais. E o povo? Politicamente nunca existiu”, afirmou.
Já se antecipando a possíveis críticas, Comparato rechaçou a ideia de que assim o povo não precisa de governantes. “O povo não vai governar. Ele deve tomar as grandes decisões. O poder pertence ao povo e sem isso não há democracia”, completou. E destacou que o artigo 14 da Constituição Federal define como “instrumentos de manifestação da soberania popular”, além do voto, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. Esta última é o meio pelo qual a população pode propor projetos de lei diretamente aos legisladores, como a Lei da Ficha Limpa.
O vereador Nabil Bonduki (PT) acrescentou que a questão da participação deve ir além de possibilitar o voto em consultas públicas. “Não basta colocar uma questão para o povo. É preciso dar condições para o debate, acesso à informação. Do contrário, o poder econômico, que já domina as eleições, pode tomar o processo”, salientou.
Apesar de constitucional, a medida foi utilizada poucas vezes no Brasil. Em 1993 houve um plebiscito para definir se o Brasil deveria ser uma monarquia parlamentar ou uma república. E se seria governado por um sistema parlamentarista ou presidencialista. Em 2005 foi realizado um referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições (Lei 10.826, de 23 de dezembro de 2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento).
Outras quatro consultas foram realizadas para decisões locais, como a que mudou o nome da cidade de Embu, na região metropolitana de São Paulo, para Embu das Artes, em 2011. “A gente não quer inventar roda nenhuma. Isso é praticado cotidianamente em vários países do mundo, como Estados Unidos, Reino Unido e Suíça”, defendeu o coordenador do GT de Democracia Participativa da Rede Nossa São Paulo, Maurício Piragino.
Hoje, o artigo 10 da LOM define que o “legislativo e o executivo tomarão a iniciativa de propor a convocação de plebiscitos antes de proceder à discussão e aprovação de obras de valor elevado ou que tenham significativo impacto ambiental, segundo estabelecido em lei”. Mas essa lei ainda não existe. E não foi por falta de tentativas.
Em 1993, o ex-vereador do PT Francisco Whitaker propôs o Projeto de Lei (PL) 440/93, que regulamentava o artigo 10 da LOM. “O projeto ficou meses engavetado e só foi ressuscitado quando os vereadores quiseram pressionar o prefeito [Paulo] Maluf (1993-1996) para melhorar a relação com eles”, contou Whitaker. O PL acabou aprovado em duas votações no mesmo dia, mas foi vetado integralmente pelo hoje deputado federal, Paulo Maluf (PP-SP). Somente em 1998 o veto foi analisado – e aceito – pela Câmara.
Outra tentativa foi em 2005, quando o atual deputado estadual Paulo Teixeira (PT-SP) e a ainda vereadora Juliana Cardoso (PT) propuseram o PL 151/2005, com o mesmo objetivo. O projeto foi aprovado em 11 de maio daquele ano e virou a Lei 14.004/2005. Porém, o então prefeito José Serra (PSDB – 2005-2006) vetou 19 artigos, inutilizando a regulamentação e novamente impedindo a realização de plebiscitos e referendos na capital paulista.
Na época, um grupo de organizações que se articulava em torno de proposta semelhante no âmbito federal, tentou pressionar pela derrubada dos vetos ao PL 151/2005, sem sucesso. Entre elas estavam a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Mesmo assim, o coordenador da Rede Nossa São Paulo, Oded Grajew, acredita que é possível avançar na democracia participativa em São Paulo. Ele citou experiências como os conselhos participativos das subprefeituras, empossados no início deste ano, e as 110 audiências públicas do processo de revisão do Plano Diretor de São Paulo, como demonstração de que há abertura.
“Como está montado o sistema político, o povo é chamado somente para escolher seus representantes. E o poder econômico tem sido cada vez mais decisivo nas eleições. Só a participação popular pode mudar isso”, afirmou Grajew.
Matéria publicada originalmente na Rede Brasil Atual.